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19/11/2019 17:10:50

Aojustra divulga última crônica recebida no concurso sobre o dia a dia do oficialato
Premiação acontece na próxima semana durante a Festa de Confraternização no bar Salve Jorge.

A Aojustra divulga, nesta terça-feira (19), o último texto recebido para o Concurso de Crônicas sobre o dia a dia do oficialato. Os textos foram remetidos por Oficiais de Justiça de todo o Brasil têm o objetivo de registrar a atividade através de histórias reais que podem ser engraçadas, sensíveis, inusitadas ou até sobre os riscos enfrentados no cumprimento das ordens judiciais. 

Os cinco primeiros colocados serão contemplados com uma viagem para Colônia de Férias em Caraguatatuba conveniada com a Associação, além de outros prêmios que serão entregues aos participantes durante a confraternização de final de ano marcada para a quinta-feira, 28 de novembro, no bar Salve Jorge do Centro de São Paulo.

Ao todo, 36 crônicas foram recebidas pela Aojustra desde o mês de junho para a possível publicação de um livro sobre as situações porque os Oficiais de Justiça passam durante o cumprimento dos mandados.

Intitulado “Simplesmente, um Ser Humano”, o último texto é uma contribuição de autoria do Oficial de Justiça Miguel Nolasco de Carvalho Neto, da 38ª Vara do Trabalho de São Paulo. Confira: 

Simplesmente, um Ser Humano

Por Miguel Nolasco de Carvalho Neto (38ª VT de São Paulo)

Diante da tela alvíssima, defronto-me com o desafio de escrever algo sobre a profissão de oficial de justiça. O cursor está piscando de maneira intermitente e a cada piscada, parece me perguntar: “O que vai escrever?”... “O que vai escrever?”... “O que vai escrever?”...

Tantas coisas já se passaram!... Concordo: oito anos de carreira não é muito; mas também não é pouco. Embora minha ideia inicial fosse escrever alguma crônica que revelasse uma situação inusitada da vida de oficialato, ao final, depois de tanto pensar – esse bendito cursor piscante! – resolvi escrever sobre essa tela branca e amedrontadora uma resenha sobre as diversas fases pelas quais passei nesses anos. Vamos ver o que sai.

Quando assumi o cargo, não sei se fiquei contente ou triste. Comecei a sentir um incômodo: agora, eu era uma “autoridade”. Essa palavra, aliás – autoridade –, traz consigo toda uma conotação boa e má – tristemente alegre –, que no princípio da carreira nos faz acertar algumas vezes, mas errar constantemente... A-U-T-O-R-I-D-A-D-E. Bonito. Gostei... Carteirinha? Ou carteirada? Era a fase da autoridade: tenho um poder, mas não sei como manejá-lo direito. “Identifique-se, ou chamarei a polícia...”; hum, não: não funciona... “Senhor! Vou entrar e pronto!...”; mau... “Crachá? Foto? Senhora, eu sou oficial de justiça, e as regras do prédio não superam os ditames da lei...”. Vivendo, errando e aprendendo... foi uma fase de grande sofrimento para mim, porque queria acertar, mas a inexperiência me fazia errar.

Entretanto, o tempo passa. Como que numa escultura, a personalidade do oficial de justiça vai sendo modificada a duros golpes de cinzel. Então, chega o momento de uma segurança maior: o “justiceiro”. Porque “eu conheço meus limites e minhas atribuições; e agora, sim, farei JUSTIÇA!” J-U-S-T-I-Ç-A! Gostei. “O sistema processual é injusto, mas EU vou consertar o mundo”. Passei a ser implacável com os devedores. “Misericórdia? Não, ele já teve a chance dele, quando da homologação de cálculos”; “um devedor é sempre devedor!”...; “se a senhora está mal de vida, imagine a sua empregada, que não recebeu os direitos dela...”; “entendo sua situação, mas não adianta me contar sua história; fale com o Juiz”...

Que difícil! Porque o oficial de justiça, quando pisa na rua, deixa a “realidade da lei” para adentrar na “realidade da vida”. E a “realidade da vida” nos dá lições tanto pelo belo, quanto pelo feio. Lidamos com a feiura da miséria alheia: tanto quem processa como quem é processado tem misérias. Eu tenho misérias também... É difícil fazer justiça, porque a injustiça é nossa companheira de caminho; e não conseguimos ganhar distância dela. E vem a fase da “desilusão”: queríamos melhorar o mundo, mas isso parece mais complicado do que parece. Da desilusão, chega-se ao ceticismo com um pequeno pulo.   

Ceticismo: nova fase! “Para que me importar com tantos problemas que nem são meus?”... “O jeito é ir levando...”; “não, meu senhor; não há justiça, mesmo; há apenas um mandado a ser assinado e cumprido”; “eu sei, minha senhora... mas é a vida: preciso fazer essa penhora; e aí veja com seus advogados o que fazer – se é que dá para fazer algo. Boa sorte!”...

Até que cheguei à Rua dos Bandeirantes. Uma senhora, doravante denominada “executada”, estava lá para me atender; e não era por acaso. Ah!... nada é por acaso. Citações, penhoras, etc... fazia ali o de sempre. Tudo isso, num pequeno apartamento, quase sem mobília. Uma “executada” que, no meio da desgraça financeira, havia sido deixada pelo marido e rejeitada pelos filhos. Ela era a empresária: ela era a causa da ruína da família.

Diante das várias diligências que fazia no seu endereço, falávamos por mensagens de celular para combinar o horário. Até que, durante uma das diligências, deu-me uma informação que ia além do mero processo trabalhista: a “executada” explicou-me que talvez fizesse uma cirurgia de alta complexidade, e que, se isso ocorresse, passaria algumas semanas no interior, para ser auxiliada pela irmã durante a difícil recuperação que teria. Passaram-se os dias...

No dia 22 de julho de 2016, a “executada” me enviou uma mensagem: faltava uma semana para a cirurgia; por isso, de fato, ficaria ausente. Mas estaria à disposição no celular. Respondi como pude: “Ok, agradeço a informação. Desejo-lhe uma ótima recuperação”; “Obrigada, pois preciso de toda a ajuda necessária”.

Foi a última mensagem que recebi da “executada”.

Passados mais de três anos, nunca mais a encontrei. Não chegaram mais mandados, nem mensagens. Mudei de bairro, e até me “esqueci” desse fato. Quando pensava em escrever este texto, resolvi mandar uma nova mensagem para a “executada”: sem recebimento; sem resposta. “Ora, provavelmente mudou o número do celular...”

Ao escrever estas linhas, percebo em mim uma mistura de profissionalismo com perplexidade. “Decisão judicial” e “decisão da vida”: realidades distintas, que ainda não se conformaram em caminhar juntas. E o oficial de justiça corre de um lado para outro, entre estas duas realidades, e tenta consubstanciar tudo numa “certidão”. “Certifico que...”

Ao escrever estas linhas, percebo que eu, como oficial de justiça, passei por diversas fases. Já ultrapassei as fases da “autoridade”, do “justiceiro”, do “desiludido” e do “cético”. Esta executada ajudou-me a iniciar uma nova fase.

Descobri que o oficial de justiça é, simplesmente, um ser humano.  

CONFIRA AQUI todos os textos participantes do concurso

Da assessoria de imprensa, Caroline P. Colombo