Notícias

274 visitas
26/09/2019 14:04:47

Crônicas: Aojustra divulga mais um texto concorrente
Associação lembra que os cinco primeiros colocados serão contemplados com uma viagem para Colônia de Férias em Caraguatatuba conveniada com a Aojustra.

A Aojustra realiza, até o final do mês de novembro, o Concurso de Crônicas sobre o dia a dia do oficialato.

Na divulgação desta semana, a Associação publica a crônica “Fetiche de Porteiro”, do Oficial de Justiça Rogério Santos de Carvalho, lotado na 54ª Vara do TRT-2. Veja AQUI todos os textos concorrentes

A Associação lembra que os cinco primeiros colocados serão contemplados com uma viagem para Colônia de Férias em Caraguatatuba conveniada com a Aojustra, além de outros prêmios que serão entregues durante a confraternização de final de ano marcada para o dia 28 de novembro.

Para participar, o Oficial deve enviar a crônica para os e-mails aojustra@outlook.com e ane.galardi@gmail.com. É importante que o texto esteja devidamente identificado com o nome completo do autor, bem como a lotação e um número de telefone para contato. 

“A cada nova semana a Aojustra recebe textos de colegas Oficiais com histórias reais do dia a dia na função. Convidamos mais Oficiais a se inspirarem e nos enviarem crônicas para que consigamos implementar a ideia da elaboração de um livro”, afirma o presidente Thiago Duarte Gonçalves.

Confira abaixo a crônica enviada pelo Oficial Rogério Carvalho:

FETICHE DE PORTEIRO

Toda vez que eu recebia algum mandado para aquele luxuoso prédio comercial da Rua Tabapuã, quase esquina com Faria Lima, no Itaim Bibi, eu já previa aporrinhação. Empáfia e má vontade definiam a atitude dos funcionários dali.

Eu já adotava como estratégia de conduta fazer o máximo para não me alterar diante de manifestações hostis, caso contrário não seria possível dar conta do trabalho, afinal ninguém recebe Oficial de Justiça, o arauto das más notícias, com sorrisos e mesuras. Porém, naquele dia eles foram especialmente deseducados, para dizer o mínimo.

Primeiro, demoraram em fazer a comunicação com a empresa destinatária que funcionava em um dos conjuntos do prédio; depois, ao tentarem contato sem muita insistência, disseram que ninguém atendia; mais algum tempo, em nova tentativa que eu pedi que fizessem, afirmaram que os interlocutores não teriam ninguém para mandar à recepção e que não poderiam me receber.

Minha temperatura deve ter subido um grau e a pressão arterial certamente acompanhou a tendência de alta. Respirei fundo e argumentei:

- Como assim, não podem me receber?

- É, não podem, fazer o quê? - disse-me a recepcionista sem me olhar na cara.

- Isso não existe. Por favor, fale para eles que se não descerem imediatamente eu é que vou subir.

- Isso também não vai ser possível, já que eles não autorizam – arrematou, meneando o corpo para os lados como se fosse chamar o próximo da fila que já se formava atrás de mim.

Paciência tem limite e eu já estava perto de perdê-la, mas, ainda assim, procurei manter a calma.

- Moça, chame o seu supervisor, o síndico ou quem resolva este problema simples que pode virar um problemão.

A recepcionista deu um muxoxo e fez um contato pelo interfone. Pensei: agora a coisa se resolve. Depois de poucos minutos surgiu um homenzarrão de terno, que se identificou como gestor do condomínio, uma espécie de síndico gourmet, embora mais se parecesse com um leão de chácara. O sujeito reafirmou que se o condômino não autorizasse o ingresso de “quem quer que fosse”, o acesso não seria permitido. Falou isso sem mover um músculo da face.

A situação tornava-se surreal. Naquele momento me veio a vontade que todo Oficial tem de dar voz de prisão a todo mundo, coisa que geralmente coloca uma diligência a perder. O que se resolve em minutos pode se arrastar por horas na delegacia, na maioria das vezes sem dar em nada a não ser mais aborrecimentos.

Pensei em dizer a ele que a minha presença ali não se tratava de uma visita comercial ou de cortesia, e discorrer sobre o que significa uma ordem judicial e todas as prerrogativas legais constantes do mandado que são colocadas à disposição do Oficial de Justiça, mas me pareceu tão óbvio que fosse do conhecimento do cidadão, que eu percebi que seria uma perda de tempo e, se assim o fizesse, eu me sentiria um verdadeiro idiota em falar o que ele já sabia. Afinal, será que para ser gestor de um condomínio ou coisa do gênero não se tem de saber isso?

Limitei-me a olhar para o sujeito, que se mantinha impassível, e disse-lhe: Ok, então. Tomarei minhas providências.

 E afastei-me para fora da recepção, permanecendo na rampa de acesso enquanto fazia a requisição da força policial.

Passados uns vinte minutos, veio um dos recepcionistas em minha direção. O Sr. Fulano, o tal gestor, havia “me autorizado a subir”. Fiz um esforço hercúleo para não dizer qualquer palavra, mantendo a atenção ao movimento da rua. Mais uns minutos e desta feita veio o próprio Sr. Fulano, pedindo para que eu compreendesse que aquelas eram as regras, mas não queria transtornos, amenizando a postura inicial. Porém, já era tarde demais. Permaneci em silêncio, e logo a seguir surgiram duas viaturas da PM. Expliquei a situação aos policiais e passei a qualificar todos da recepção, a começar pelo gestor. Lotei o elevador. Subi com o gestor e a tropa até a sala. Lá chegando, da mesma forma, identifiquei os empregados da empresa, colhendo RG, CPF, endereço, o diabo, tudo para demorar. O gestor murmurava que não havia necessidade daquele aparato todo, que estava causando problemas à rotina do prédio. Eu permaneci a maior parte do tempo calado, e, àquela altura, estava adorando aquilo tudo. Mais ainda quando o sargento disse ao Sr. Fulano, diante de mais uma lamúria: Engraçados, vocês. Atrapalham o serviço do Oficial, que se vê obrigado a nos tirar do patrulhamento das ruas, onde realmente se precisa de polícia, para depois dizerem que não precisava. É sempre assim, parece um fetiche. Vocês precisam ver polícia.

Fiz força para não rir ao pensar em 50 tons de cinza, a cor da farda da PM. Uma policial feminina que integrava a equipe soltou uma risadinha discreta e sarcástica. Deve ter tido o mesmo pensamento que o meu.

Era uma simples citação inicial e a audiência era para dali a alguns meses, ou seja, coisa que o carteiro poderia fazer.

Das outras vezes em que precisei voltar ao prédio, não digo que estenderam um tapete vermelho para mim, mas certamente eles preferiram que não houvesse outra balbúrdia no recinto.


Da assessoria de imprensa, Caroline P. Colombo