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07/08/2019 17:11:51

Concurso de Crônicas da Aojustra entra na última semana: confira dois novos textos
Associação recebe histórias sobre o oficialato até o próximo sábado (10).

O Concurso de Crônicas da Aojustra sobre o dia a dia do oficialato no cumprimento dos mandados está na sua última semana. Até o próximo sábado (10), os Oficiais que quiserem concorrer aos prêmios poderão enviar os textos para a Associação.

Os cinco primeiros colocados serão contemplados com uma viagem para Colônia de Férias em Caraguatatuba conveniada com a Aojustra, além de outros prêmios que serão entregues aos participantes durante a confraternização de final de ano da entidade.

Para participar, o Oficial deve enviar a crônica para os e-mails aojustra@outlook.com e ane.galardi@gmail.com. É importante que o texto esteja devidamente identificado com o nome completo do autor, bem como a lotação e um número de telefone para contato. 

“Apesar do recebimento de textos encerrar no próximo sábado, a Aojustra continuará divulgando, ao longo das próximas semanas, todos as contribuições recebidas”, explica o presidente Thiago Duarte Gonçalves.

Nesta semana, a Associação disponibiliza as crônicas “Fantasiada de Amante do Executado”, enviada pela Oficiala Sylvia Macêdo Cavalcanti do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (PE); e “Capão Redondo”, do colega Rogério Santos de Carvalho da 54ª VT de São Paulo.

Confira:

Fantasiada de amante do Executado
Por Sylvia Macêdo Cavalcanti (TRT da 6ª Região)

Certa feita, estava na secretaria da Vara, no FÓRUM TRABALHISTA DE OLINDA, quando a Juíza (Dra. Ana Isabel), sabedora que eu era a OFICIALA DE CAUSAS PERDIDAS (pois sou conhecida no TRT6 como KATE MARRONE, pois não tenho medo de nada), me chamou em seu gabinete e me solicitou cumprir um mandado de intimação para audiência de um demandado que possuía uma empresa em uma comarca contígua, mas que o oficial de justiça da outra cidade não conseguia o intimar, pois ele havia aberto outra empresa com nome diverso da que ele tinha em Olinda. 

Contando a história da criatura (reclamado) e porque a Juíza me pediu ajuda por saber que eu não temia nada. 

O dito cujo era (faleceu há cerca de três anos) vereador de Olinda na época. Havia aberto uma empresa de PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, visto que era o boom do momento. Oportunidade rentável para os políticos corruptos abrirem empresas desse ramo.  Ele ganhou a licitação para prestar serviços no Município, recebeu o crédito, fechou a empresa, não pagou seus funcionários e abriu outra empresa no mesmo ramo de atividade em outro Município (comarca contígua), com outro nome. 

Com isso,  o oficial da localidade ia até lá e não conseguia notificá-lo, pois seus funcionários estavam orientados a dizer que ali era outra empresa e não conheciam o demandado. 

As diligências eram sempre infrutíferas. 

Com esse pedido da Juíza, busquei informações dele (estilo de vida, nome, etc).

Na pesquisa, descobri que era mulherengo, pilantra, safado,matador (todos os adjetivos depreciativos que possam imaginar) e seu sobrenome era Pinto. 

Analisando as informações,  no outro dia, preparei-me à caráter (fantasiada quase como uma prostituta), saia preta curta, sandália de salto fino vermelha, blusa branca transparente com decotão, bocão vermelho, cabelo na chapinha, mascando um chiclete, perfume sensual. 

Vestida assim, segui pro trabalho.

Ao chegar no  Fórum, fui ovacionada por todos e, ao mesmo tempo, todos ficaram preocupados, visto que a empresa era longe e eu ia sozinha e um dos adjetivos dele(reclamado) era MATADOR. 

Tranquilizei a todos... - Calma, pessoal! Caso eu não retorne em 2 horas, manda uma guarnição da policia para resgatar meu corpo. 

Dito isso, caí na risada kkkk, deixando todos ainda mais apreensivos, pois eu estava linda, leve e destemida. 

Vendo aquilo... Falei! - Se eu morrer, ponha na minha lápide.. MORREU FELIZ NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO. Kkkkk. Aí que o povo endoidou, querendo me impedir de sair... Mas fui de fininho...

Despedi-me de todos e fui embora... 

Chegando na empresa... Toquei a campainha e o vigilante, lá de cima da guarita, já deu aquela rastreada como se eu fosse um código de barras (zimmm... zimm), perguntando... 

É DE ONDE? O QUE DESEJA?, QUAL SEU NOME? É SOBRE O QUÊ?

Eu, piscando “as pestanas” com um sorriso maroto, mascando chiclete feito mulher da vida, dei aquela quebrada básica no corpo e logo falei... 

- Quero falar com o .A ___ Pinto (bem íntima)! E o assunto é particular! 

Dando, em seguida, aquele sorriso safadinho de canto de boca, como se eu fosse a amante do cara.  

De pronto o vigilante abre o portão. Pá!

Creio que ficou com medo de me barrar, achando ser eu uma das... Q... dele...kkk 

Entro na empresa rebolando lentamente. Potoc! Potoc! Potoc!

Chego na recepção e, de logo, a recepcionista (creio que era uma das amantes dele) teve a mesma atitude (no olhar e no perguntar) . 

É DE ONDE? O QUE DESEJA?, QUAL SEU NOME? É SOBRE O QUÊ?

Repeti a mesma fala e a mesma postura de mulher da vida fácil.

Ela (secretária) me mandou sentar num sofá de frente a um corredor cheio de salas. Dou aquela cruzada de pernas À LA SHARON STONE... E me ponho a observar todo o ambiente. Percebo câmeras por todos os lados. 

A secretária interfona para ele e diz. Tem uma “moça” de nome Sylva que quer falar com o senhor e disse que o assunto é particular...

Ele, ao invés de me mandar entrar, vem me buscar na recepção.  Tive a certeza que o mesmo estava me observando. 

Acreditem!!! a criatura veio me buscar para me conduzir até sua sala. 

Eu, sai andando na frente, rebolando feito uma rainha de bateria e o caba atrás de mim parecia mestre sala de escola de samba, babando feito um cachorro louco no cio, com a respiração ofegante... 

Ao chegar em sua sala, puxou a cadeira pra mim e, eu, delicadamente, sentei, botei minha pasta do lado, ficando ele em pé do meu lado esquerdo, com um sorriso de canto a canto de orelha. 

Ele, serelepe, perguntando.. É sobre o quê? É sobre o quê? Parecia mais menino pequeno em festa de Natal... esperando abrir o presente kkkkk

Olhei nos olhos dele  fixamente e disse, só um minuto, por gentileza!

 Virei, abri minha pasta lentamente... A “zuada” do zíper abrindo lentamente parecia um strip tease. 

Peguei minha credencial, o mandado e .... Vraaaaaaaaaaaaaaa! Em direção ao seu rosto!

Como eu já sabia o teor do mandado, havia decorado todo o conteúdo, entreguei a ele e disse tudo clara e contudentemente... 

Pense num susto da mulésta que ele tomou!

Parecia que a criatura tinha levado um choque de 220 volts. kkk

Sua alegria se transformou em ódio mortal. 

Ao ler o mandado,  foi logo dizendo...

Não vou receber! Não vou receber! Essa empresa fechou e aqui é outra...

Eu, calmamente, peguei o mandado, destaquei a cópia de forma rápida e precisa e disse:

- O senhor é um político renomado, abriu uma empresa em Olinda e fechou sem quitar seus débitos. Abriu esta aqui com outro nome pensando que  fugiria da justiça. Tenho certeza que o senhor tem mais conhecimento jurídico que eu... Sabe das suas responsabilidades e obrigações. Não precisa mais se esconder, pois já estamos no seu encalço. 

E, por fim, tenho fé de ofício, não precisa o senhor assinar nada. Farei uma certidão circunstanciada para a Juíza de tudo que aconteceu aqui e o que vi. 

Compareça à audiência, pois, caso contrário, será revel e amargará consequências ainda piores. 

Diante de minhas palavras, ele me pediu o mandado e assinou, repetindo várias vezes que contrataria um advogado. 

Daí,  soltei a fala.. - É bom, mesmo! O senhor tem muita coisa pra se defender. Ele (seu advogado) terá muito trabalho... Dei aquele sorrisinho sarcástico e saí da sala lentamente. Agora não mais rebolando (não era mais preciso). 

Passei pela recepção, dei tchau para a secretária e pela portaria, acenando para o porteiro e pensando... Os coitados vão perder os empregos por terem me deixado entrar. Ow, Dó! São ossos do ofício. 

Amo meu trabalho. Amo o que faço. Não me intimido com situações difíceis. Por isso a minha fama. 

Espero que tenham gostado da minha diligência antológica. Pra mim ela foi a melhor da minha vida. 

Soube que ele foi pra audiência, fez acordo neste e nos demais processos que amargou. 

O mesmo faleceu há uns 3 anos. Nem tive a chance de pedir desculpas pelo susto que dei no cabra da peste. Que Deus tenha guardado um bom lugar para sua alma. 

Esta diligência aconteceu em meados do ANO DE 2002, celular era coisa rara na época. Rara e cara.  Fui com a cara e a coragem. E Deus no coração. 



Capão Redondo
 Por Rogério Santos de Carvalho (54ª VT/SP)

No mesmo dia da minha tomada de posse no TRT/SP, apresentei-me à Central de Mandados. Fui recebido pelo diretor, e ele me disse que eu integraria a equipe do CEP 58 – Capão Redondo. Já ouviu falar?, ele me perguntou. Eu sabia que, a princípio, não iria para uma área boa, tranquila, pois em nenhum lugar do mundo se dá filé mignon ao novato. Naquele momento me veio à mente o helicóptero do Datena. Contudo, mantive a pose e respondi com a autossuficiência de Oficial outrora antigo, na cidade e Tribunal de origem: Já, sim, deixa comigo, eu tenho muita experiência. 

O silêncio eloquente do chefe e o olhar que ele me lançou tinha um misto de desafio e consternação, como se me dissesse: Coitado, sabe de nada...

Na semana seguinte, desci de manhã cedinho na última estação da linha 5 – Lilás do Metrô. Eu trazia debaixo do braço um Guia Quatro Rodas, comprado em uma banca de jornal da Praça da Sé, e cerca de vinte mandados que os colegas da mesa separaram para mim. Eu tinha a determinação de cumpri-los todos naquele dia. Havia traçado um itinerário, mas logo percebi que a realidade se impunha de maneira inapelável. 

O Capão Redondo não é apenas um bairro, é uma mera referência geográfica para as dezenas e dezenas de Jardins disso e Vilas daquilo que existem na região. Uma mancha urbana descomunal, ladeiras, morros, vielas e escadarias, tudo densamente habitado. Aliás, como toda a cidade. E eu achava que morava em cidade grande... Como eu não conhecia as linhas de ônibus, eu resolvi seguir à risca o meu plano, e saí andando pelas ruas, de olho nas placas, quando havia, e no mapa.

Já passava do meio-dia e eu só havia cumprido uns três ou quatro mandados. Estava com fome, suado, mas fui em frente. Havia muito ainda o que fazer e, além do mais, não vi naquelas quebradas nenhum lugar confiável para me sentar e comer. O sol fazia seu percurso em direção ao poente quando, num dado momento, eu me perguntei sinceramente o que fazia ali. Quem foi à minha casa e me obrigou a fazer concurso para outro Tribunal, outro Estado, naquela altura da vida, beirando os cinquenta anos? Ninguém. Era tudo minha escolha. Então, eu que me virasse. Os pés doíam, o estômago roncava e a camisa estava ensopada. Eu não sabia que em São Paulo fazia tanto calor, mesmo no início de abril. Para mim, era a terra da garoa o tempo todo, e só. Apenas oito mandados feitos em quase dez horas de caminhada, a maioria negativa em razão de não achar a numeração nas ruas. Tive a impressão de que os moradores numeravam suas casas de acordo com o número da sorte ditado pelo horóscopo ou pelo resultado do jogo do bicho. 

Joguei a toalha e resolvi voltar para casa, no caso, o hotel, mas o cansaço e o desapontamento embaçaram-me o juízo. Eu não conseguia mais me guiar pelo mapa e não vi como sair daquele labirinto. Passei a perguntar aos moradores o que fazer para chegar à estação do Metrô. As informações que obtive confundiam-me mais do que ajudavam. Eu estava perdido, não sabia para qual lado estava virado. Depois de quase quinze anos de ofício eu me perdi, tal qual uma criança em filme de sessão da tarde. Bateu o desespero porque já começava a anoitecer. Lembrei-me, então, de quando servi o Exército, e que havia aprendido a sigla do combatente perdido: ESAON (estacione, sente-se, oriente-se e navegue). Nunca pensei que um dia usaria aquele ou qualquer outro ensinamento obtido no período de serviço semigratuito à pátria amada salve, salve, nos estertores da ditadura. Minha mochila tinha uma minibússola na alça (outra coisa que jamais pensei que me tivesse serventia).  Sentei-me em uma lanchonete, bebi refrigerante e comi um croquete para lá de suspeito, de olho no mapa e no pequeno instrumento de orientação. Eu estava no Jardim Vaz de Lima, portanto, a uns 2,5 km a sudeste da estação. Embiquei o azimute para lá e parti com o restinho das forças que eu ainda tinha. E, claro, perguntando a um ou outro transeunte. Talvez me ajudassem a  me colocar na direção correta. Bem, para quem está perdido qualquer caminho é uma tentativa. Quando cheguei à Estrada de Itapecirica, fiquei mais feliz do que um tuaregue ao avistar um oásis. Metrô, trem, outro metrô até o Centro da cidade, aonde cheguei quase às dez da noite. Moído, destroçado, preocupado com o que seria dali em diante. 

Os outros dias foram menos complicados. Baixei a bola e respeitei as peculiaridades do lugar: o estranho ali era eu. Com o tempo, eu fui entendendo a maneira mais produtiva de trabalhar. Até aprendi a pegar ônibus. No fim de um ano, eu quase não olhava o mapa. Apesar de todo o sufoco, nunca fui hostilizado pelo povo lutador daquela localidade estereotipada, gente em sua maioria pobre e receptiva, ao contrário de outras regiões abastadas da cidade, que vim a conhecer depois. 

O fato é que a gente se adapta, aprende na marra. Afinal, Oficial de Justiça sempre dá seu jeito.


Todas as crônicas recebidas pela Aojustra também podem ser acessadas AQUI

Da assessoria de imprensa, Caroline P. Colombo