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24/07/2019 19:42:47

“Déjà vu” é a crônica recebida nesta semana para o concurso da Aojustra
Associação recebe textos até o próximo dia 10 de agosto.

A Aojustra recebeu nesta semana uma nova crônica para o concurso realizado pela associação sobre o dia a dia do oficialato. Com o título “Déjà vu”, o texto é de autoria da Oficiala Bruna Vivian Eustachio de Toledo Piza, lotada na 27ª VT de São Paulo.

O concurso da Aojustra acontece desde o mês de maio e tem o objetivo de registrar a atividade do Oficial de Justiça, através de histórias reais que podem ser engraçadas, sensíveis, inusitadas ou até sobre os riscos enfrentados no cumprimento das ordens judiciais. 

Os cinco primeiros colocados serão contemplados com uma viagem para Colônia de Férias em Caraguatatuba conveniada com a Associação, além de outros prêmios que serão entregues durante a confraternização de final de ano da Aojustra.

Para participar, o Oficial deve enviar a crônica para os e-mails aojustra@outlook.com e ane.galardi@gmail.com. É importante que o texto esteja devidamente identificado com o nome completo do autor, bem como a lotação e um número de telefone para contato. 

“A cada nova semana a Aojustra recebe textos de colegas Oficiais com histórias reais do dia a dia na função. Convidamos mais Oficiais a se inspirarem e nos enviarem crônicas para que consigamos implementar a ideia da elaboração de um livro”, afirma o presidente Thiago Duarte Gonçalves.

O prazo para participação no concurso da Aojustra termina em 10 de agosto. 

Confira abaixo a crônica enviada pela Oficiala Bruna Vivian:

Déjà vu


Aos que pretendem ser Oficial de Justiça, tenham uma coisa em mente: um dia nunca será igual ao outro. Lidar sempre com o inesperado: essa é a única certeza que temos ao começar um novo dia.

E, por incrível que pareça, nossa vida pessoal pode se misturar com a profissional, como aconteceu comigo.

Mas essa história começou há algumas décadas atrás, quando eu colhia as flores da juventude e as espalhava com charme, beleza, graça e perfume por onde quer que passasse. Eu tinha aproximadamente 16 anos e frequentava um grupo de estudos filosóficos e me encantei por um rapaz que tinha tudo para ser um príncipe encantado moderno: era loiro, tinha lindos olhos azuis, alto, falava muito bem e tinha até carro. Ele se aproximou de mim e me envolveu com sua conversa amistosa e cheia de encantamento pela vida, lembro-me como se fosse hoje dele dizendo que tinha 23 anos, que era em-pre-sá-ri-o -- sempre fazia questão de estufar o peito, engrossar a voz e dizer orgulhosamente que era empresário -- e que trabalhava com o pai. Bem, o romance durou pouco tempo porque percebi que ele tinha muita lábia, mas quando eu perguntava sobre os negócios da família, ele desconversava, além do que ele até podia ter tudo, mas não tinha "a pegada", então achei melhor por a fila prá andar.

Pois bem, os anos se passaram e me tornei Oficial de Justiça. Começo mais um dia com a pasta cheia de diligências para cumprir o quanto antes durante o período da manhã, pois estou no Plantão Individual e terei que me dirigir à Central de Mandados às 13h para retirar e cumprir os mandados urgentes. Passada a primeira parte do dia, sigo para o Fórum, engulo um enroladinho de queijo e presunto no boteco da Marquês de São Vicente e corro para a Central.

Recebo duas missões, sendo um Mandado de Condução Coercitiva de uma testemunha e uma Citação Inicial para audiência dali há 6 dias úteis, as chamadas urgências urgentíssimas.

Primeiro fui até a casa da testemunha. Lugar distante, me perdi no caminho, pois sempre me confundo com as saídas da Marginal e fui parar em Osasco. Nada que uma boa música da "Hora da Vitrola" não possa acalmar meus ânimos. “Que lugar horrível esse, como alguém pode viver assim?” -- penso eu, mas pelo menos encontrei a testemunha. Explico a situação e pergunto o por quê de ela não ter ido à primeira audiência. Ela me responde com muita naturalidade:

- Sabe o que é, Dona, foi o meu Advogado que me orientou a não ir na audiência.

- Como assim? - perguntei-lhe perplexa.

- Ele me disse que, como eu moro muito longe e não tenho dinheiro para a condução, se eu não fosse na primeira audiência, na próxima viria um Oficial de Justiça de carro me buscar em casa!

- Sim, claro, e é prá isso que eu estou aqui! - respondi abaixando a cabeça.

Mas o bom é ser Oficial de Justiça é que sempre há a oportunidade de virar a página e partir para a próxima.

Assim, lembro-me da Citação Inicial que havia recebido e que também era urgente. Observo que se trata de uma banca de jornal localizada em uma avenida conhecida e movimentada de São Paulo. Olho no relógio e percebo que preciso correr para chegar enquanto ela ainda está aberta. Após a dificuldade de estacionar, inerente ao nosso dia a dia, dirijo-me à banca, que já está com as portas semi-cerradas. Havia um rapaz no caixa, então me identifiquei e perguntei a ele se o dono da banca estava no local. Não consegui ver seu rosto com nitidez porque estava meio escuro, apenas notei que era obeso. Ele ficou enfurecido, levantou-se, estufou o peito, engrossou a voz e me respondeu :

- Tá vendo isso tudo aqui? Eu sou o dono desta banca há muitos anos, junto com meu pai, eu sou em-pre-sá-ri-o!

Aquelas palavras me deram até um calafrio. Conforme ele ia se movimentando eu notei seus cabelos loiros e lisos, já um tanto quanto grisalhos. Olhei bem nos olhos dele, muito azuis como doutrora. Enquanto ele falava, várias cenas se passavam pela minha mente, olhei com carinho para aquele homem que um dia fora o príncipe encantado dos meus sonhos e que havia, ainda que de forma passageira, feito parte de um período tão bom da minha vida. E percebi o quanto o Chronos é implacável com tudo e todos. Ele esbravejou contra a funcionária que o estava processando, contra a corrupção, contra a economia, comentou sobre a dificuldade que têm os empresários desse país, e eu o continuei observando atentamente. Ele estava tão nervoso que não me reconheceu, mas concordou em receber a Citação Inicial e assinou a contra-fé. Era o que me bastava.

Noite adentro, depois dessa o melhor a fazer é ir prá casa e descansar, pois amanhã tem mais....

Todos os textos que concorrem aos prêmios do Concurso de Crônicas da Aojustra podem ser acessados aqui

Da assessoria de imprensa, Caroline P. Colombo