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12/06/2019 15:43:31

Crônicas: Aojustra divulga mais dois textos concorrentes
A ideia é registrar o trabalho do Oficial de Justiça para a elaboração de um livro.

A Aojustra realiza, desde o início do mês de maio, um concurso de crônicas sobre o trabalho na execução dos mandados. O intuito é registrar o trabalho do Oficial de Justiça, através de histórias reais que podem ser engraçadas, sensíveis, inusitadas ou até sobre os riscos enfrentados no cumprimento das ordens judiciais. “Com isso, além de trocarmos experiências, podemos alertar os Oficiais de Justiça mais novos quanto a algumas situações e, também, informar aos leigos sobre o nosso papel na sociedade”, afirma a Oficiala de Justiça Ane Galardi.

Para participar, o Oficial deve enviar a crônica para os e-mails aojustra@outlook.com e ane.galardi@gmail.com. É importante que o texto esteja devidamente identificado com o nome completo do autor, bem como a lotação e um número de telefone para contato. “Vamos analisar a quantidade de crônicas recebidas para, quem sabe, conseguirmos implementar a ideia da elaboração de um livro sobre o trabalho do oficialato”, afirma o presidente Thiago Duarte Gonçalves.

O prazo para participação no concurso da Aojustra termina em 10 de agosto. 

Confira, abaixo, outras duas crônicas participantes: 


OS BOTÕES DA BLUSA
Por Wagner Ambrosio (Oficial de Justiça aposentado)


Nos mais de trinta anos em que fui Oficial de Justiça na Justiça do Trabalho, passei por quase todas as situações e perrengues possíveis e imagináveis, que geralmente costumamos presenciar no cotidiano de nossa árdua e penosa função.

Já penhorei imóvel de velhinhos que nada tinham a ver com a dívida de parentes , pois foram colocados no contrato social das empresas com participação de cinco por cento da sociedade, ouvindo com paciência e indignação seus relatos e o desconforto com a situação.

Já fui recebido por homens e mulheres em trajes sumários, já fui confundido com o carteiro, já me mandaram passar mais tarde, enfim...

O caso mais inusitado ocorreu há cerca de uns dez anos, se não me falha a memória, no cumprimento de um mandado de citação de uma senhora que aparentava cerca de uns 70 anos e que, aliás, morava a dois quarteirões da minha casa.

Para variar ela tinha orientado os porteiros do prédio no sentido de informar aos Oficiais de Justiça que a procuravam de que não estava presente. Depois de várias tentativas de encontrá-la, em dias, horários e humores diferentes, um dos porteiros me informou que ela estava claramente se escondendo e que, inclusive, nem mais atendia o interfone durante o dia.

Então,  tive a brilhante idéia de diligenciar depois das 20 horas porque ainda não conhecia o porteiro da noite e porque poderia pegá-la desprevenida no intervalo da novela, sendo certo que o mandado expressamente continha a autorização para cumprimento no período noturno.

Ali chegando não me identifiquei como Oficial, dizendo para o porteiro apenas que tinha uma encomenda para entregar para referida senhora, moradora do apartamento 71, o que era verdadeiro.

Já estávamos às vésperas do recesso de fim de ano e não queria ficar com aquele mandado pendente de solução para o ano seguinte.

E não é que ela mordeu a isca? Mas quando soube do que se tratava sua encomenda, uma entidade maligna baixou de imediato e começaram todos aqueles elogios à Justiça, aos Juízes, ao Prefeito, Governador, Presidente da República, e, evidentemente, a mim.

Era um prédio de classe média, com cerca de quinze andares. O escândalo foi de tamanha intensidade, que metade dos moradores desceu para ver o que estava acontecendo. Estava até esperando a Record e o SBT transmitirem ao vivo e em cadeia nacional.

Minha sorte - e nada acontece por acaso - foi haver várias testemunhas entre moradores e funcionários acompanhando os acontecimentos.

Depois de ler o mandado, de saber qual era o processo da vez, o valor da execução e quem era a executante, tudo acompanhado de palavrões e xingamentos, ela lembrou-se de pedir a minha identificação. Prontamente saquei  minha carteira funcional da pasta, que foi expedida em 1982,   e a apresentei. Porém a foto do documento era de um jovem de 22 anos, cara de bebê, sendo que no dia dos fatos eu já tinha mais de 50 anos.

Ela simplesmente arrancou a carteira da minha mão e desconfiou que o documento fosse falso, porque a foto não batia com a minha fisionomia atual (não que tenha mudado tanto assim depois de quase 30 anos) e não queria me devolver de forma alguma, não obstante haver pedido para que  o fizesse por várias vezes, calmamente, mas ardendo por dentro.

Nessa altura dos acontecimentos, ainda contava com a platéia de uns cinco ou seis moradores e dois funcionários que não tinham se cansado das cenas deprimentes. Estavam claramente torcendo para o circo pegar fogo e para que eu pulasse no pescoço dela.

Depois de vários pedidos para que me devolvesse a carteira, num momento de distração, resgatei suavemente o documento de suas mãos e guardei na pasta. Mas ela o segurava tão forte para defender o tesouro que tinha conquistado, que, na rapidez do movimento para mantê-lo em suas mãos, um botão de sua blusa se abriu, deixando a mostra seus lindos seios, compatíveis com os de uma senhora com mais de 70 anos.

Não preciso nem dizer o quanto este fato piorou as coisas. Começou a berrar num volume ainda mais alto,  semelhante ao rompimento de uma usina nuclear, abriu os demais botões da blusa, desfilou e gritou por um imenso corredor até o portão de entrada do prédio, sacudindo o mandado que foi elevado acima se sua cabeça para que todos o vissem e se compadecessem com sua situação de senhora humilhada : “Olha o que ele me fez ! Vejam isto! Todas as janelas estavam ocupadas por, no mínimo, duas cabeças em cada uma para apreciar as cenas dignas de um filme de baixíssima qualidade.

Em seguida, pediu uma caneta emprestada ao porteiro e começou a escrever uma longa e triste narrativa de recebimento do mandado com indignação, com os mais  profundos protestos, não obstante havê-la advertido de que nada poderia ser escrito no mandado e que quaisquer alegações poderiam ser feitas ao Juiz, mas somente através de petição. Por um instante pensei em pegar o mandado e a caneta, mas fiquei receoso de que a situação neste caso só pioraria. Mantive a calma.

Quando ela me devolveu o mandado e, finalmente, achando que estava livre para voltar para casa e jantar com minha família, entreguei a ela a cópia que ela escreveu e fiquei com a outra, momento em que ela, ainda mais furiosa, a picou em mil pedacinhos,  jogando-os para o alto, espalhando os fragmentos por toda a extensão do jardim.

Voltei para o conforto do meu lar com a clara convicção de que ia dar merda. Fui convencido pela minha esposa, que também era Oficial de Justiça, a tomar uma taça de vinho e relaxar.

Além da sorte que tive de várias pessoas haverem presenciado os fatos, o que ajudou bastante foi haver detalhado, com todo o cuidado necessário, tudo o que ocorreu na certidão de devolução do mandado. Ele nunca voltou para penhora.

Chegou o recesso de fim de ano. Na volta ao trabalho fui informado pelo Chefe de que tinha algumas surpresas. Algumas já esperadas e outras nem tanto.

Ela foi à Ouvidoria e Corregedoria do Tribunal solicitar uma representação contra mim e também à Delegacia de Polícia do bairro relatar que havia sido agredida por um Oficial de Justiça, e que, pasmem, o mesmo tinha lhe arrancado a blusa com força, deixando seus seios à mostra na frente de vizinhos e funcionários. Sindicância e inquérito policial abertos.

Depois de um longo processo de sindicância, juntada de documentos, oitiva de testemunhas, sendo que ela levou todos os porteiros do prédio, inclusive os que não estavam presentes no dia dos fatos, finalmente chegou a hora de seu depoimento.

Perguntada pelo meu advogado se ela tinha sido por mim agredida, na maior cara de pau e com a frieza de uma serpente, a mesma responde que não tinha ocorrido necessariamente uma agressão. Olhando bem nos meus olhos, eu estava sentado frente a frente ela diz: “Fui dar queixa na delegacia para que este sujeito nunca mais se atreva a me incomodar altas horas da noite”.

Os funcionários do prédio que estavam presentes na hora dos acontecimentos informaram aos encarregados de apurar os fatos que a doce senhora era habituada a agredir verbalmente outros Oficiais de Justiça, inclusive das áreas Cível e da Fazenda Pública que ali tiveram a sorte de encontrá-la e que se cansaram das vezes que tiveram que recolher mandados picados. Os demais funcionários disseram que não estavam presentes na hora dos fatos e foram dispensados para voltar ao trabalho.

Os colegas que presidiram e conduziram a sindicância concluíram que não havia motivos que resultassem em qualquer penalidade e opinaram pelo seu arquivamento. O inquérito policial também foi arquivado por falta de interesse da “vítima” em dar prosseguimento. Fiquei conhecido como o tarado do sutiã e alguns colegas cantavam aquela velha canção do Roberto Carlos quando me encontravam. “Os botões da blusa, que você usava...”



OSVALDO BARMELLI
Por Ane Galardi (Oficiala aposentada)


Era uma, depois duas, três, vinte, quarenta ou mais intimações que entreguei em seu endereço, sempre em nome do Espólio de Osvaldo Barmelli * e sempre quem recebia era a empregada da residência, que trabalhava ali há mais de trinta anos, Dona Irma *.

Em uma única ocasião, das dezenas de vezes em que ali estive, conheci a viúva, uma senhora bonita, muito bem arrumada, com classe.

Claro que depois de comparecer ao local inúmeras vezes, mesmo como Oficial de Justiça, não há como não estabelecer um relacionamento mais próximo, e assim foi que a Dona Irma começou a me servir um pedaço de bolo com café, uma água gelada nos dias quentes ou um suco, já me dava beijos e desejava que Deus me acompanhasse.

Por algumas vezes ela me disse que a situação estava bem difícil para a viúva e filhos, que eram três moços bem bonitos, dois adolescentes e um adulto. Estavam perdendo tudo de herança com as ações que tinham que pagar da empresa do pai falecido.

Em um dia chuvoso, a Dona Irma me ofereceu um pedaço de bolo de laranja ainda quente, com café, e foi aí que ela me contou o que aconteceu. Disse que um dia todos os cinco familiares tomaram café da manhã, os meninos saíram para a escola, o Sr. Osvaldo estava já arrumado para o trabalho, vestindo um terno, e despediu de sua esposa dizendo que a amava muito. Ela também saiu para trabalhar. Passados alguns minutos ele voltou, avisou a Dona Irma que não estava se sentindo muito bem e que ficaria no quarto. Ela disse que ele se trocou, colocou uma bermuda, camiseta, tomou uma água e foi para o quarto. Decorridos alguns minutos ela ouviu o tiro. Quando chegou ao quarto ele já estava morto, havia cometido suicídio. Segundo ela, preparou o local com sacos plásticos, não deixando uma gota de sangue no chão ou paredes. Ela chorou e eu chorei. A empresa havia quebrado e ele não sabia como sair daquela situação.

*Nomes fictícios


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Da assessoria de imprensa, Caroline P. Colombo